sábado, 11 de julho de 2015

Do amor a quem é verde

errestre há simplesmente tantos milhões de anos que nossa origem e existência está completamente intrínseca a elas.
Não que percebamos. Vasos de plantas, nos halls dos prédios e canteiros das ruas, não são o tipo mais interativo de vida. A menos da nossa forma de enxergar as coisas. Quando estamos viajando de ônibus, ou de carro, olhamos para uma paisagem desbundantemente verde, com uma única vaca entre as colinas, e pensamos “olha ali, uma vaca!”. O imenso gramado, as samambaias nas encostas de pedra e as árvores onde as vacas tomam sombra estão automaticamente computadas na nossa cabeça como naturais e óbvias. Elas são o cenário.
Por mais que pareça uma crítica, esta reflexão não o é: é valioso pensarmos nas plantas como cenário! Sem elas, não haveria personagens. Mas, na realidade, ser uma planta vai muito além de ser o cenário – e se tem uma coisa que a maioria das pessoas não faz com frequência é se pôr no lugar de uma planta.
As plantas são paradonas, mesmo. Uma criança delira apenas de pensar em ver crocodilos e rinocerontes, ou até jiboias, num jardim zoológico; no entanto, um passeio de mais de duas horas num jardim botânico pode parecer cansativo e enfadonho para elas. Não as culpo – como professor de Biologia, vi inúmeras vezes as plantas como trabalho penoso e realmente difícil de engolir, nas salas de aula. A Botânica, ou o estudo das plantas, é um conteúdo frequentemente negligenciado nas escolas, e muitas vezes associado ao estudo do meio ambiente. Isso é muito legal, as plantas fazem, mesmo, parte do meio ambiente. Mas e as plantas pelas plantas?
As plantas pelas plantas passam o dia administrando seus corpinhos enraizados no solo, e precisam lidar com estresses – tais como excesso de luz, acidez do solo, parasitas, herbívoros, falta momentânea de água, o calor do meio-dia, enfim – todos os dias. Estão adaptadas a encontrarem soluções ali mesmo, nos lugares onde brotaram. Fazem isso com todas as substâncias químicas que se permitem construir – mesmo sem nenhum resquício de sistema nervoso, com certeza plantas sabem mais química do que nós.
Aliás, ainda que muito distantes de um sistema nervoso, cientistas têm descoberto, ainda sem grandes conclusões, que plantas também se comunicam. Emitem sinais químicos e elétricos entre si, podendo mesmo avisar sobre organismos invasores e agressores – mecanismo este aparentemente ligado às raízes e as associações com fungos que essas raízes apresentam.
Essas mesmas raízes são responsáveis pela formação de um fluxo de água que move toda a planta sem precisar de coração ou qualquer coisa para bombear seus fluidos. Podemos pensar numa pequena margarida absorvendo água e liberando parte dela pelas folhas ensolaradas. Mas, vamos pensar também numa sequoia – um gigantesco pinheiro canadense, com mais de 100 metros de altura, ou seja, o tamanho de um prédio de 30 andares. Quantas bombas hidráulicas e elevadores de água não seriam necessários para elevar as toneladas e toneladas de água de que essas plantas precisam? Pois bem, elas o fazem todo dia sem problemas – se não soubessem como fazer isso, não estariam vivas.
Ao respirarmos, nós consumimos uma porcentagem do oxigênio do ar e liberamos uma proporção de gás carbônico. Somos diárias e contínuas bombas de gás carbônico, assim como as tais das vacas, e nossos cães e gatos, e os rinocerontes do zoológico, e as milhões de formigas num formigueiro, os caramujos e as minhocas nos canteiros. Até as amebas, escondidas em algum lugarzinho úmido por aí, são bombas produtoras de gás carbônico bem pequenininhas. As plantas também! Plantas respiram diariamente, sem parar. É exatamente como nós. No entanto, enquanto respiram, as plantas lidam sempre com as proporções de oxigênio e que produzem através da fotossíntese que realizam ao receber luz. É o excedente de oxigênio que produzem que sustenta essas inúmeras bombas de gás carbônico que somos. Principalmente as algas! Essas, coitadas, são mais esquecidas que as plantas, com hábitats ainda mais exóticos à nossa memória, nos rios, lagos, mares e oceanos, nada terrestre, nada urbano.
Mas como um rio, ou um mar, podem nos ser exóticos à memória? Que paisagem é esta que estamos acostumados a memorizar?
Quão urbanoides nós (e, principalmente, nossos filhos) estamos nos tornando? As plantas (e as algas, claro) estão aí à volta e isso foi garantido ontem, é garantido hoje e será garantido amanhã. Mas até quando? Os índices de desmatamento são cada vez maiores, não importa as (escassas) medidas  governamentais; as catástrofes ambientais são alarmistas, mas não existe muito que se saiba fazer sobre elas senão lamentar; entre boa parte dos biólogos, já se aceita o triste destino dos biomas brasileiros como confinados, num futuro próximo, a unidades de conservação – aquelas que, muitas vezes, têm suas políticas de proteção ambiental flexibilizadas e anuladas.
Pelo cenário, pelo paisagismo, pelo bem-estar nosso e de outros tantos seres vivos, pela companhia das avós viúvas, pela umidade do ar, pelo oxigênio, pela retenção de gás carbônico, pela contenção de encostas, pela produção de alimento e de medicamentos, se as plantas não são importantes, não sei o que é. Se as plantas não merecem nosso olhar, não sei o que merece. E com isso, peço que amemos nossos bichos, mas também as plantas – e se nem mesmo por elas, por nós mesmos.

-Felipe de Araújo
professor de Ciências e Biologia
 Colaborador do Espaço Ciência Viva

Nenhum comentário:

Postar um comentário