Os produtos mais promissores para potencial aplicação como substitutos do sangue (transportadores de oxigénio) baseiam-se em perfluorocarbonetos (PFC), em geral, merecendo os perfluoroalcanos (PFA) particular destaque.
Os alcanos são uma família de hidrocarbonetos (compostos de carbono e hidrogénio) em cujas moléculas só existem ligações simples (não há duplas nem triplas) e que possuem, como fórmula geral, CnH2n+2, sendo num número inteiro. As fórmulas moleculares dos sucessivos membros da família obtêm-se substituindo o npor números inteiros em ordem crescente. Estruturalmente, as moléculas de alcanos possuem um “esqueleto” constituído por átomos de carbono ligados quimicamente entre si e cada um deles ligado a tantos átomos de hidrogénio quantos os necessários para completar a valência característica do carbono (4 átomos ligados a si), numa geometria tetraédrica em torno de cada átomo de carbono. Um exemplo de um alcano linear e de um alcano ramificado podem ver-se na figura 1 (a e b).
Figura 1. Fórmula de estrutura e esquema 3D de heptano (a) e iso-octano (b)
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Tão ou mais interessantes que os alcanos são os perfluoroalcanos, família de compostos orgânicos em quase tudo semelhante à primeira, mas onde átomos de flúor tomam o lugar dos átomos de hidrogénio na estrutura carbonada. Na figura 2 exemplifica-se um dos elementos da família, o perfluorohexano. As dimensões do flúor (raio covalente de 57 picómetros*, comparado com 31 picómetros do hidrogénio), o seu peso atómico médio relativo (18,9984 face a 1,0079 para o hidrogénio) e sobretudo o facto de o flúor ser o elemento mais electronegativo da tabela periódica (a electronegatividade mede a tendência que cada átomo tem para “puxar” para si densidade electrónica quando ligado a outro) fazem com que os perfluoroalcanos possuam propriedades muito diferentes dos alcanos.
Figura 2. Fórmula de estrutura e esquema 3D à escala de perfluorohexano
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Como se não bastasse, a quantidade de oxigénio que é possível dissolver num dado volume de um PFA varia linearmente com a pressão parcial do oxigénio no meio circundante, o que torna possível “carregar” o líquido de oxigénio a pressões elevadas do gás e “descarregar” a pressões mais baixas.
Ora uma das funções do sangue no organismo é, para além de muitas outras (metabólica, regulatória, hemostática, defesa), transportar oxigénio dos pulmões, onde é recebido, para todas as células do corpo, onde ele é necessário para o metabolismo celular. Esse transporte é efectuado pela hemoglobina, proteína que, para além dos resíduos peptídicos, contém o grupo Hemo, complexo porfirínico centrado num átomo de ferro. É o átomo de ferro que, a altas pressões de oxigénio (nos pulmões) se liga ao oxigénio (por uma ligação covalente dativa), transporta-o através do corpo até às células e lá, a baixas pressões do gás, liberta-o, dada a natureza lábil (reversível) da ligação que estabelece. O dióxido de carbono (resultado do processo de respiração) faz o percurso inverso, usando o mesmo transportador.
Os pefluoroalcanos (e os PFC, em geral) são capazes de armazenar grandes quantidades de oxigénio e transportá-lo, podendo servir de transportador alternativo à hemoglobina. Esta capacidade foi provada de uma forma eloquente em 1966 por dois cientistas (Clark e Gollan), que conseguiram manter as funções vitais de um rato completamente submerso num PFC saturado de oxigénio. Estes compostos não reagem quimicamente com o oxigénio; apenas dissolvem o gás, numa mera manifestação de interacções físicas. São sintéticos, não ocorrem na natureza e são inócuos para o organismo. Este não os reconhece como seus, mas também não os rejeita, de tão “estranhos” que são. Possuem, como já se disse, as características ideais em termos de solubilidade de oxigénio e sua relação com a pressão de oxigénio aplicada, constituindo pois uma interessante possibilidade para substituição temporária do sangue.
Os PFA são por exemplo usados em ventilação líquida, no decurso da qual é aplicado líquido nos pulmões em caso de insuficiência respiratória, sendo que a elevada solubilidade do oxigénio no PFC permite uma oxigenação eficiente dos pulmões e a preservação da capacidade do órgão para fazer as trocas gasosas vitais.
A administração intravenosa destes compostos é que constitui um problema complicado, mas isso é assunto para outra conversa.
* 1 picómetro = 0,000000001 milímetros.